Análise a A MALDIÇÃO DE ROSAS

★★★★★ - A Maldição de Rosas é um livro de Diana Pinguicha publicado em Portugal pela editora Manuscrito em 2023, baseado na lenda Portuguesa do milagre das rosas. Cheio de mistérios, emoção e intriga é um livro que reconta a famosa lenda de uma maneira completamente nova e surpreendente.

“A maldição de Rosas” é um livro que reconta a lenda de Isabel de Aragão e o Milagre das rosas realizado pela mesma. O livro da autoria de Diana Pinguicha foi originalmente publicado em Inglês pela Entagled Publishing e foi recentemente traduzido e publicado pela editora Manuscrito em 2023.

Diana Pinguicha deixa uma nota de autora logo ao início do livro na qual tem o cuidado de explicar que apesar de a base da sua história ter sido a conhecida lenda do milagre das rosas, o seu livro é uma adaptação. A autora deixa clara a sua decisão em optar por algumas liberdades artísticas no que toca às personagens, como por exemplo as idades de Isabel e Dinis ou as suas possíveis orientações sexuais, e a factos históricos, mencionando localidades que só seriam anexadas ao território Português anos mais tarde. Nesta nota, a autora explica também a sua relação pessoal com a sua história, uma vez que o seu interesse pela lenda advém de esta lhe ter sido contada, bem como a sua terra natal ser Estremoz onde algumas versões da lenda indicam ser o local onde se deu o milagre da rainha. A autora que também faz parte da comunidade LGBTQIA+ decidiu transformar este livro numa história de amor entre duas mulheres após tomar conhecimento de a Rainha Santa Isabel se havia refugiado num convento após cumprir com as suas obrigações matrimoniais e ter permitido o seu marido ter amantes para que ela pudesse ficar sozinha. Esta divergência do seu plano original acabou por fornecer a Diana Pinguicha mais um vínculo pessoal entre a escritora e a sua obra e permitiu-lhe escrever sobre tópicos bastante familiares à grande maioria das pessoas desta comunidade, tais como homofobia internalizada, e passar uma mensagem de positividade a todos os que são descriminados e rejeitados por serem “diferentes”. Por fim advertiu os leitores de possíveis tópicos sensíveis que seriam mencionados, como automutilação ou distúrbios alimentares.

O livro passa-se em 1288, sendo Isabel de 17 anos a princesa de Aragão prometida a D. Dinis. Isabel é muito crente, bondosa, leal e ingénua. Como futura rainha de Portugal tem noção das suas responsabilidades e deveres matrimoniais e é muito sensibilizada para os problemas que o seu povo passa devido à fome e peste. Um dos motivos de discórdia de Isabel com o seu noivo passa precisamente pela necessidade de dever em ajudar que Isabel sente para com o seu povo. Apesar de D. Dinis também querer o melhor para os Portugueses e fazer grandes esforços para ser um bom governante, o Rei não concorda com Isabel gastar o dinheiro da coroa em esmolas e pão para os Portugueses como já havia feito anteriormente com o dinheiro do seu dote. Isabel padece ainda de um grande problema, uma maldição que a leva a transformar toda a comida em que toca ou come em flores. Este problema faz com que Isabel evite comer, não só para que ninguém descubra da maldição para além da sua aia, Brites, e Vasco, mas também porque se sente mal pelo desperdício de alimentos que a sua condição causa, especialmente quando o seu povo morre à fome. Por não comer Isabel encontra-se muito frágil e à beira de padecer, preocupando Brites e Vasco, mas também o seu futuro marido, Dinis. Por outro lado, a sua abnegação em comer é vista como algo nobre e louvável por outros membros do clero e realeza que acreditam que ela faz o seu jejum por compaixão com as dificuldades do seu povo.

"Isabel soube que teria de pôr fim àquela maldição, mas como é que era suposto acabar com uma força que não conseguia controlar?"

Ao querer ver-se livre da sua maldição que tanto desperdício alimentar causa, Isabel procura toda e qualquer solução possível. Com o apoio de Brites e após convencer Vasco, Isabel parte à procura de uma Moura encantada que segundo a lenda está aprisionada numa pedra e que poderá ser a solução para reverter a maldição. Quando chega à pedra, Fatyan, a Moura encantada, diz a Isabel que a sua maldição não é nada mais que um dom e que por esse motivo não o pode retirar dela. No entanto, Fatyan promete ajudar Isabel a compreender o seu dom e a tomar rédeas do mesmo, garantindo-lhe que com a sua ajuda poderá aprender a invertê-lo e transformar as flores em pão. Com a promessa da ajuda que recebe da Moura Encantada, Isabel promete-lhe em troca que quando finalmente conseguir domar o seu dom irá permitir que Fatyan seja finalmente livre da sua própria maldição. De acordos feitos apenas resta um beijo para selar as promessas.

Isabel leva Fatyan para o castelo sob disfarce. Rapidamente é possível ver como Fatyan enriquece o ambiente e ajuda Isabel a compreender-se melhor. Não só a ajudando a perceber como a sua maldição é um dom e a aprender a domá-lo como a fazê-la ver que não pode acreditar em tudo o que lhe dizem pois nem toda a gente lhe quer bem. Fá-la perceber que não precisa de se autoflagelar pois o seu dom não é um pecado e torna Isabel mais confiante em si mesma. No entanto Isabel parece não conseguir esquecer o beijo trocado na pedra entre as duas.

"Sob o toque da Moura, Isabel iluminou-se, como se tivesse velas sob a pele e os dedos de Fatyan fossem a chama que lhes acendia o pavio.”

E como nem tudo é um mar de rosas, o perigo espreita. Fatyan sente o seu próprio dom a dar sinal de perigo quando o filho de Brites está por perto apesar de não saber o motivo. E enquanto prepara Isabel para realizar um ritual na próxima lua cheia que ajudará Isabel a ganhar um maior controlo sobre o seu dom, desconfia do futuro marido de Isabel. Dinis é descrito como sendo muito inteligente e confiando em Isabel para juntos governarem o melhor que sabem. Apesar de mulherengo é demonstrado que ele acredita que Isabel é a mulher certa para estar ao seu lado à frente do país e demonstra confiança nela. No entanto ao descobrir que ela continua a dar comida ao povo após ele a ter proibido zanga-se. O facto de ela continuar a recusar comer agrava a sua zanga pois ele quer que a sua futura mulher seja saudável e não compreende o seu jejum por desconhecer o dom de Isabel. Isabel sente-se injustiçada pelos castigos de D. Dinis e dividida pelos novos sentimentos que tem vindo a descobrir pela Moura mas considera errados.

O desenrolar desta história envolve muitas reviravoltas pois afinal não era tudo tão linear como parecia e Isabel não era a única que escondia um segredo. Com muitas traições, sentimentos incompreendidos e conspirações à mistura este é um livro muito fácil de ler que entusiasma cada vez mais a cada página que passa. Com partes de descrição que facilitam a imaginação do espaço e muita ação constantemente, não há um único momento em que se possa dizer que a história está aborrecida. O suspense constante torna a leitura envolvente e viciante. Uma história com personagens muito bem desenvolvidos, alguns acabando por surpreender tanto para a positiva como para a negativa e cheia de personagens femininas fortes, determinadas e confiantes. Facilmente conseguimos compreender cada personagem e até nos identificarmos com as suas decisões e ações. Os temas mais sensíveis são bem abordados sem causar maior desconforto, mas sem desconsiderar a sua importância ou gravidade. Um livro que por si só é incrível e se torna ainda mais incrível para quem conhece a lenda que inspirou o mesmo e a história de vida das pessoas que inspiraram as personagens pois pequenos detalhes aparecem como nuances à vida real dos personagens como que uma pequena “inside joke”.

Autora do livro "A Maldição de Rosas", Diana Pinguicha.